As mães – todas as mães! – deviam insurgir-se contra todos aqueles que – sendo médicos, psicólogos, professores, educadores ou enfermeiros – as tratam, simplesmente, por “mãe”. Isso não está certo! Aliás, qualquer “Ó mãe!...” – utilizado de forma sorrateira – devia ser duramente tributado por “uso indevido”. Por acaso qualquer um de nós, que ame a mãe, permite que uma função sagrada como essa seja indevidamente usada em favor duma sogra, por exemplo, por mais que o nosso carinho por ela seja verdadeiro e não esteja convalescente? E será razoável que à função de mãe se associe uma interpelação do género: “Ó, faz favor!?...”, como se, em vez dum apelo aveludado, alguém tivesse coletivizado a sua função num clima do género “é tudo nosso” que ninguém suporta?
Mas, desde quando é que as mães – que são preciosas e insubstituíveis – permitem que alguém desqualifique o seu jeito singular e, no lugar de lhes falarem no tom doce (de quem não se sente ao nível dos milagres que o seu amor promove mas, ainda assim, as olha nos olhos, e lhes estende os braços, esperando que elas os segurem e acarinhem) lhes diga: “Ó mãe”? Que, ainda por cima, roça o indelicado, porque parece que este “Ó mãe” é dito de cima para baixo, como se mãe não fosse aquilo que mais distingue e engrandece o coração duma pessoa e se tivesse transformado num aspeto menor que não merece nem o cuidado nem a dedicação que qualquer mãe exige a todos aqueles que agradecem só por ela existir!
Que ideia é esta de fazer de qualquer mãe um slogan parecido a “todos diferentes, todos iguais”, magoando-a com aquilo que ela tem de mais sagrado? Porventura serão as mães iguais a todos os demais? “Ó mãe?...” Mas pode, por acaso, alguém evocar o nome de Deus em vão? E se não pode (ou não deve, como preferirem) com que direito há quem o faça à mãe, que é “o Seu braço direito”?
Ora, respeita-se isto das pessoas deixarem de ser formais. Sobretudo se os colarinhos abertos vierem acompanhados de um coração desabotoado. Mas “mãe” tem qualquer coisa de cerimonioso. Deve manusear-se com delicadeza. Mãe é filigrana! Que se estejam a tirar os doutores e os engenheiros do nome de muitas pessoas todos nós percebemos. Sobretudo se, com isso, valorizarmos mais o caráter e a atualidade humana do que, propriamente, a formação ou a função. Mas mãe não é título académico: é atributo divino. Logo, qualquer “Ó mãe” que não seja usado “por quem de direito” devia ser interdito. Primeiro, porque num acesso pateta que parece pôr a igualdade acima de todas as coisas, pressupõe que uma mulher não tenha um nome, e que tem mais é de ser mãe. Depois, porque não faz sentido que um termo íntimo se tansforme num utilitário ao serviço de qualquer estranho.
Mãe é mãe! Mãe é um “petit nom” de “A Minha Mãe”! “Mãe” pode até ser um substantivo comum. Mas “minha”, podendo parecer um pronome possessivo, significa que ela nos pertence, no sentido de fazer, intimamente, parte de nós. Já o “A” confere-lhe um sentido em tudo diferente daquele que teríamos se nos referíssemos a ela como “uma” mãe. Porque ninguém troca o definido pelo indefinido, “A Mãe”, dá-lhe a singularidade e a exceção que qualquer “Ó mãe” lhe retira. Aliás, um banal “Ó mãe” quase parece uma forma de se atestar que não se pode ser “A Mãe”. “Ó mãe” é transformar o “minha” em “nossa”, o que, convenhamos, é desaforo. Até porque “Mãe” é uma espécie de três em um: substantivo, adjetivo e nome próprio. Só ao alcance de quem o merece. Mas, seguramente, nunca acessível a qualquer “Ó mãe”!“Ó mãe” usa-se de várias formas. “Ó mãe?...” usa-se em discurso direto quando se pretende chamar ou interpelar, sem direito ao “já vou” com que todas as crianças mandam a mãe à despensa ver se os filhos lá estão.O “Ó mãe” que anda por aí até podia ser “Oh mãe!”. E com essa exclamação de espanto tudo mudava de figura. Mas não. O “Ó mãe” original é uma interpelação para uso exclusivo dos filhos. E só mesmo “A sua” mãe merece esse carinho. Faz lá sentido que um técnico, seja ele qual for, fale para a mãe como quem lhe está a pedir pão com marmelada, ou a chamá-la para tentar não fazer os trabalhos de casa sozinho ou a desafiá-la para um suplemento de mimo, mesmo que vá no sentido de se escapar, por uma vez, da sopa? Aliás, os “Ó mãe” das crianças vêm embrulhados por toneladas de algodão doce, e servem para elas darem um jeitinho muito seu ao lado mais tempestuoso de todas as mães sempre que elas se esganiçam. Por acaso os outros “Ó mãe” serão assim? Não! São secos e funcionais, chegando a parecer quase uma advertência. São um “Ó mãe” embrulhado por um celofane com um laçarote do género: “Veja lá o que é anda a fazer!”.
Ora, que a mãe, fazendo uso do seu estatuto, tenha o direito a dizer “Onde é que tu andas com a cabeça?” ou “Vê lá onde pões os pés!”, todos entendem. Agora, que pessoas singulares façam de entidade reguladora de todas as mães já é outra cantiga!
Estamos de acordo: “Mãe?” pode ser uma versão minimalista de “Ó mãe?” e pode confundir--se com “Mãe?” de “Oh mãe?!”. Mas querem lá ver que agora as mães têm de andar a matar a cabeça com estas coisas? Aliás, parece-me a mim que se as mães não se enfurecem como leoas sempre que um cidadão lhes diz “Ó mãe”, isso não se deve tanto à forma como elas amam quem as trate dessa maneira. É que entre nomes próprios, adjetivos, substantivos, espanto e interpelação, versões com h e sem h, e entoação com açúcar e entoação com arestas, é tamanha a confusão que a mãe sente em cada “Ó mãe” que, movidas pelo benefício da dúvida, as mães guardam os “pagamentos por conta” com que se zangam por antecipação para as birras com que presenteiam aos filhos, de vez em quando, e – ensarilhadas por tantas dúvidas – optam por “jogar à defesa” ou por contarem até 100 antes de esganarem os incautos que evocam em vão o seu nome.
Resumindo, se preferirem: quem tem uma mãe tem (quase) tudo; quem tem muitas mães é bem capaz de não ter (mesmo) nada. Sendo assim, este “Ó mãe” que parece fazer de todas as mães A Mãe de todas as pessoas, devia acabar! Eu sei que Deus não podia ter um nome, porque senão deixava de ser Deus. Compreende-se. Que sentido faria se Deus se chamasse Ermelinda ou Hermenegildo, por exemplo?
É claro, também, que todas as mães têm um nome: mesmo que se chamem Sónia Vanessa ou Domicília, por exemplo. Serão, se for assim, e quando muito, “A Mãe da Marta” ou “A Mãe do António”. Tudo com maiúsculas, porque a seriedade da bênção que isso representa não é para menos! Já o “Ó mãe” é um “tu cá, tu lá” que roça a falta de respeito. Até porque Mãe, sem mais nada, é para uso exclusivo dos filhos. Está para os nomes próprios como Hermenegildo ou Ermelinda para o nome de Deus. Não existe! Mãe é substantivo, adjetivo e nome próprio. Só faz sentido se juntar espanto e interpelação. Entoações com assinatura. E declarações de amor a torto e a direito. O que, convenhamos, não se admite a qualquer um que decida evocar o “nome de Deus” em vão!
Fonte: paisefilhos.pt
Blue Eyes
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