BATER: Num adulto é agressão, num animal é crueldade, numa criança…é educação?

Ser pai e ser filho, dois desafios tão diferentes

“Aos pais se pede tanto, e se lhes dá tão pouco.” Se estas palavras da psicoterapeuta familiar Virginia Satir eram verdadeiras na década de 80, continuam tão ou mais válidas nos dias de hoje. Aos pais pede-se­ corpo e alma na educação dos filhos, mesmo quando o corpo se desdobra e dá de si e a alma, essa essência de estar vivo, é estar vivo para os filhos e pouco mais. Do lado dos filhos, um dos grandes desafios é o aprender formas saudáveis de socializar, de estar em relação com os outros, na existência de regras e limites e, em simultâneo, afeto. Uma coisa é certa: existem tantas formas de se ser mãe ou pai, quanto de se ser filho ou filha. Não existe apenas uma correta, mas existem formas de relação positivas entre pais e filhos que promovem um crescimento individual e relacional, outras não tão positivas e que acabam por trazer mais preocupações, mais dificuldades na gestão dos comportamentos e do reconhecimento da autoridade dos pais. A autoridade, aquela que se reconhece e não a que se impõe, tem sido um dos desafios com os quais muitos pais lidam, já que também eles trazem modelos das gerações anteriores, uns mais bem-sucedidos do que outros. A questão mantém­-se: é possível mostrar aos filhos os limites e regras com que se vive as relações humanas sem, no entanto, recorrer à punição física?

O que sabemos sobre os efeitos da Punição Física na criança e nos pais?

“Os meus pais também me bateram quando era pequeno, e no entanto tanto eu como os meus irmãos crescemos sem problemas nenhuns”. Este é um argumento comum que justifica, para muitos pais, bater nos filhos, com maior ou menor frequência. No entanto, bater não está associado a melhorias no comportamento ao longo do tempo. Não só coloca os pais num nível de adrenalina e stress elevado, como também transmite à criança a ideia de que o corpo não é seu, é propriedade dos pais, não podendo ser negociada a forma como querem ser tratadas. Estudos indicam que em adultos punidos fisicamente durante a infância, a probabilidade de valorizarem positivamente um comportamento violento aumenta, seja contra o filho ou contra o atual parceiro (Gershoff & Grogan-Kaylor, 2016).
“Nem doeu!” ­ Uma rápida escalada, não só de violência…mas de culpa
Um dos grandes problemas da punição corporal é a facilidade com que os limites definidos pelo próprio educador são ultrapassados, sem que este sequer se aperceba. É muito frequente, nos pais com quem se trabalham estes temas, eles próprios estarem dessensibilizados para o grau de violência que utilizam. Tal acontece porque se forma um ciclo em torno do comportamento da criança e da resposta que é dada por parte do adulto. A punição corporal leva frequentemente a que o comportamento desadequado se mantenha ou até aumente, o que resulta num aumento da frequência do castigo corporal, levando a mais situações de comportamento desadequado. Por exemplo, a mãe repreende o filho por correr na loja em que fazem compras. O filho não presta atenção e continua. A mãe, frustrada, dá uma palmada ao filho. Este não aprendeu necessariamente porque é que correr na loja é mau, apenas sabe que não gosta de levar uma palmada. O comportamento vai manter-­se, se não em loja, noutros contextos. A mãe utiliza a palmada e, vendo que o comportamento continua, pode aumentar a frequência e/ou intensidade da punição até obter os resultados desejados. O comportamento do filho, no entanto, piora. É um ciclo em que violência gera violência. Mais importante, e talvez menos abordado nestes termos, o ciclo amplia as desvantagens para pais e filhos: os pais, cada vez menos eficazes em controlar o comportamento da criança, desenvolvem com frequência sentimentos de culpa, por não se sentirem capazes de educar os filhos sem bater. Por parte da criança, com a frequência do castigo corporal, desenvolve uma imagem negativa de si enquanto filho, o “mau filho” ou “o filho desobediente”, com um impacto negativo na sua auto­estima e personalidade. No final, cada palmada ou bofetada confirma aos pais o fraco controlo e ineficácia da sua parentalidade. À criança é confirmado o fraco controlo sobre o seu próprio corpo, que pode ser invadido a qualquer altura, bem como o comportamento desadequado passa a fazer parte da imagem que têm de si mesmas.

A investigação com crianças e pais

Uma das mais importantes revisões de literatura neste campo, publicada este ano, registou dados sobre punição corporal em cerca de 160,000 crianças (Gershoff & Grogan­Kaylor, 2016). Desta revisão concluiu­-se que a punição corporal está associada a um maior risco de comportamentos agressivos e antissociais, mais problemas de saúde mental e uma relação pais-filhos mais negativa. Este é um resultado explicado, em grande parte, pelo facto de os pais serem os principais responsáveis por ensinar aos filhos formas de se relacionar com os outros (e.g., Maccoby, 1992). Talvez o resultado mais importante desta revisão tenha sido o de que, mesmo quando removidas as formas de punição mais severas e o abuso físico, deixando apenas a punição corporal nos seus moldes mais simples (palmadas nas nádegas, por exemplo), esta se revela associada a resultados negativos para as crianças. Ou seja, mesmo formas mais simples de punição corporal como a palmada, podem ter efeitos negativos no desenvolvimento saudável da criança.

Porque é que bater persiste?

Nas palavras da Doutora Maria Amélia Azevedo, coordenadora do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI): “Bater num adulto é agressão, num animal é crueldade, como você pode dizer que bater numa criança é educação?”.

O castigo físico persiste, em parte, por ter resultados aparentemente imediatos (cessa o comportamento da criança) e por ser fácil de aplicar. No entanto, punições corporais não oferecem à criança oportunidade de refletir sobre as suas ações, nem ensinam à criança a distinção entre o certo e o errado, levando-­a a agir (ou não agir) apenas por medo da punição. A investigação demonstra que apesar de conduzir a uma obediência imediata, existe um decréscimo na obediência a longo prazo (Gershoff, 2002). Só a convivência e o tempo investido pelos pais no diálogo possibilita uma base afetiva em que os filhos reconhecem nos pais alguém que se preocupa, que ouve e, mais importante, um modelo a seguir. Isto é importante pois ao longo do desenvolvimento do seu filho, ele precisa de aprender a decidir e a regular o seu próprio comportamento.

Quais são as possíveis alternativas à punição corporal? Aqui ficam algumas sugestões para pais, mães, ou responsáveis pela educação e desenvolvimento de uma criança:

– Utilize o diálogo sempre que possível.
 
Falar com uma criança sobre que comportamentos são aceitáveis e quais não são tem, de longe, muitos mais benefícios do que a punição corporal. Garanta que lhe explica o porquê de um comportamento ser desadequado ou perigoso. Ao fazê-­lo está também a transmitir-­lhe uma mensagem importante: o diálogo é uma ferramenta crucial para resolução de problemas, ao contrário da violência, que cria distância entre as pessoas.

– Crie oportunidades educativas.

A existência de diálogo não invalida que se sigam outros métodos de disciplina eficazes. Se tiver de disciplinar, procure castigos não físicos e crie, se possível, oportunidades educativas (ex. dar ao seu filho tarefas domésticas extra ou colocá-­lo a arranjar algo que tenha quebrado). Talvez uma das técnicas mais utilizadas e familiar aos pais seja o retiro de benefícios (ex. não jogar durante uma semana). Não há nada de errado com esta forma de disciplina, sendo que os resultados podem ser melhores se a aplicação for ponderada e firme – se proibiu o seu filho de utilizar o computador durante uma semana, já terá pensado sobre quão adequada é a duração do castigo, sendo recomendado que o mesmo seja cumprido nos moldes por si definidos.

– Utilize consequências como uma forma eficaz de disciplina.

Tal como os adultos, as crianças aprendem com base no que experienciam. As consequências das suas decisões, quando vividas, possibilitam oportunidades de aprendizagem únicas para o desenvolvimento de responsabilidade. Tal exige que os pais permitam aos filhos experimentar as consequências naturais destas decisões (ex. Se não comes o que tens no prato, eventualmente ficarás com fome; se estragaste os teus brinquedos/computador, não poderás divertir­te com eles). Em várias ocasiões os pais protegem os filhos, no entanto algumas formas de proteção podem privá-­los de oportunidades para serem responsáveis e aprenderem que as suas ações têm consequências. Ao deixá-lo experienciar as consequências das suas ações está a dizer-­lhe que é capaz de tomar as suas próprias decisões. Não deve utilizar este método de disciplina se colocar em risco a saúde ou segurança da criança. Cabe­-lhe a si decidir que consequências naturais dos atos do seu filho serão uma boa oportunidade de aprendizagem. A chave é manter­-se calmo e não se envolver demasiado, deixe que o seu filho experiencie as consequências que decorrem naturalmente dos seus comportamentos. Por fim, seja paciente pois nem sempre os resultados são imediatos, mas quando surgem são duradouros!

Fonte e Foto: Up To kids

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