No país onde só há exames no fim do secundário e os estudantes passam menos tempo nas aulas do que os portugueses, os bons resultados impressionam o mundo.
A primeira tarefa do dia não é a mais óbvia. A ordem é para desarrumar a sala de aula, arrastar as carteiras para junto das paredes e dos armários e deixar espaço livre ao meio para que os alunos possam sentar-se ou deitar-se no chão, a escolha é deles, e escreverem em pequenas folhas de papel todas as palavras que associam ao mar. “Podia mandá-los um a um ao quadro, escrever e apontar, mas assim é mais dinâmico”, explica a professora do 3º ano. Dispostos em círculo, os 19 alunos, de meias ou apenas de crocs nos pés, vão escrevendo as palavras, para a seguir as agruparem em nomes, adjectivos, verbos.
Da
sala de aula para a sala dos professores, é um curto caminho feito por
um corredor silencioso. Lá dentro, está apenas o diretor, 43 anos, ténis
All Star vermelhos e camisa de xadrez por fora das calças. Chegou há um
ano à escola, frequentada por 200 alunos. Oferece o café possível,
explicando que “café bom numa sala de professores é algo que não
existe”. E fala dos planos que tem para o próximo ano letivo, quando o
novo currículo nacional do ensino básico entrar em vigor e todas as
escolas terão de dedicar parte do tempo, pode ser um período ou um ano
inteiro, a ensinar de uma nova maneira.
Nesse tempo, não
haverá uma hora para aprender Matemática, outra para a língua, outra
para Ciências da Natureza. Os conhecimentos serão passados e trabalhados
de forma integrada. E os estudantes trabalharão em grupo, em projetos
que terão de envolver vários professores. “Caberá a eles — docentes e
também alunos, determinam as orientações — decidir que fenómeno ou
tópico vão trabalhar”, explica. E atira um exemplo. “Chocolate. Há um
mundo inteiro dentro de uma barra de chocolate e inúmeras coisas que
podem ser estudadas. A produção, os transportes, o marketing, a educação
para a saúde.”
Na sala do 3º ano, há já alguns anos que o
método é experimentado pela professora. Na altura de aprender o espaço e
as medidas, os alunos trocaram os manuais e cadernos de exercícios por
réguas e foram para fora medir o recreio. Traçaram marcas e lançaram
frisbees e bolas para ver quem atirava mais longe. “É uma forma de
combinar a Educação Física com a Matemática.” Às quintas-feiras
cozinhavam cupcakes, aprendiam vocabulário novo e treinavam conversões,
de quilos para gramas, de quartos de litro para mililitros.“É assim que
se deve aprender, porque é assim na vida real”, defende a professora.
São os últimos dias de mais um ano letivo e nas escolas não se sente
ansiedade, stresse ou nervosismo. Os alunos não têm de se preocupar em
estudar para os exames nacionais, porque não os há, pelo menos até
chegarem ao final do liceu. Os professores não estão preocupados com
escalas de vigilância e assoberbados em correcções de testes. Dentro de
pouco tempo, começarão a gozar a primeira de 16 semanas de férias. E o
ano nem sequer foi particularmente duro nem para uns nem para outros, já
que, dizem as estatísticas, são dos que menos tempo passam em aulas em
toda a Europa.
No final, pasme-se, os resultados acabam por
ser muito positivos. Tão positivos que há anos que geram a admiração e
uma ponta de inveja dos outros países, alguns bem mais ricos e
poderosos.
Por estas linhas, o leitor já se deve ter
apercebido que esta não é uma reportagem sobre o sistema educativo
português. Mas também não é uma ficção. Está a quilómetros de ambos.
Esta história passa-se num país a 3500 km de distância de Lisboa, com
5,5 milhões de habitantes, sem ouro nem petróleo, e que em três décadas
conseguiu passar de uma economia essencialmente rural para um país
tecnologicamente avançado e uma referência na área da Educação. A tal
ponto que gerou uma espécie de turismo educativo, com delegações
internacionais e jornalistas — o Expresso fê-lo agora — a visitarem o
país. Por isso, seja bem-vindo à Finlândia. Escolha uma cadeira. A aula
vai começar.
INFORMAL. Na escola de Kotinummi, a primeira tarefa dos alunos foi afastar as cadeiras para um canto e porem-se à vontade. Os professores são tratados pelo nome próprio.
Lição nº 1: ninguém é melhor do que o outro
As perguntas
no enunciado são simples. Como é que os finlandeses fazem? A que se deve
o sucesso dos alunos que, ano após ano, se destacam nos resultados dos
testes internacionais? As respostas também. O problema é, digamos,
copiá-las. Agora que surgiram notícias sobre a próxima grande reforma
que o país está a preparar — a Finlândia vai acabar com o ensino por
disciplinas, chegaram a escrever alguns jornais estrangeiros —, o mundo
inteiro voltou a olhar para o Norte da Europa. Já lá vamos. Porque a
história do milagre finlandês começa antes, nos anos 70, quando o país
decidiu que devia apostar tudo na Educação. Foi ponto assente então e
continua a sê-lo desde então.
Esta é a primeira lição: a
Educação não é arma de arremesso político nem objeto de guerras
partidárias. Depois de dez anos em vigor, os novos currículos nacionais
para o básico e o secundário foram alvo de discussão e de debate entre
autoridades centrais e locais, escolas, professores e especialistas,
aprovados pelo anterior Governo, para serem aplicados em 2016 já pelo
novo executivo de centro-direita, que resultou das eleições do passado
mês de abril.
“Nós não somos ricos, não tempos petróleo. Os
finlandeses acreditam que a Educação é a única forma de subir na vida.
Tem sido essa a ferramenta para terem uma vida melhor e por isso é tão
valorizada”, explica Pasi Silander, responsável pelo projeto E-Campus
para a cidade de Helsínquia e que prevê, além da digitalização do ensino
nas secundárias da capital, o desenvolvimento da aprendizagem por
fenómenos em alternativa ao modelo clássico por disciplinas individuais.
O modelo está já a ser testado em todos as escolas de Helsínquia que,
pelo segundo ano, tiveram de definir o ensino dado no 5º período (o
último antes das férias) segundo esta orientação.
“Também
ajuda o facto de a sociedade ser muito homogénea, de as pessoas serem
parecidas” e de partilharem uma convicção: todas as pessoas são iguais,
devem ser tratadas da mesma forma e ter direito às mesmas oportunidades,
independentemente da origem étnica, riqueza ou local onde vivem.
Equidade e igualdade são pois marcas impressas no ADN do sistema
educativo finlandês. E são levadas a um ponto tal que há quem critique a
escola por se preocupar muito com quem está a ficar para trás e pouco
com quem é capaz de ir mais além. Os testes internacionais do PISA (a
maior avaliação realizada na área da educação, conduzida trianualmente
pela OCDE e que catapultou a educação finlandesa para o top mundial)
mostram precisamente que há pouca variação de resultados entre alunos e
entre escolas. E que a Finlândia é um dos países onde os resultados dos
alunos de 15 anos menos dependem das condições socioeconómicas das
famílias.
Não havendo fórmulas matemáticas que o demonstrem, é
possível atirar hipóteses plausíveis. Como o facto de todas as escolas
públicas, e quase todas o são na Finlândia, terem equipas de assistência
ao estudante. É uma espécie de força de intervenção, que actua aos
primeiros sinais de alarme, composta pelo director, um enfermeiro, um
psicólogo, um assistente social, um orientador escolar e um professor do
ensino especial. Nem todos os estabelecimentos do país têm uma equipa
tão completa, mas todos os alunos têm direito a encontrar-se com estes
especialistas numa base semanal.
As equipas de assistência ao
estudante reúnem-se para discutir e identificar possíveis problemas com
os alunos, sejam eles de comportamento, dificuldades de aprendizagem,
suspeitas de bullying, etc, e decidir a melhor forma de os resolver. A
ideia é simples: dar todo o apoio adicional que for preciso, antes que o
problema se torne maior. E diga-se que não estamos a falar de uma
pequena equipa para uma imensidão de alunos. Aqui, não há
mega-agrupamentos como em Portugal, já que o número médio de estudantes
por estabelecimento de ensino secundário, por exemplo, é de 250. A
estratégia parece resultar. Não é verdade que não há chumbos na
Finlândia. Mas também não é mentira que isso só aconteceu a 3,8% dos
alunos de 15 anos, de acordo com a última edição do PISA, de 2012.
Este é um dos contrastes mais evidentes quando se põe em paralelo o
sistema de ensino português. À mesma pergunta — alguma vez chumbou no
seu percurso escolar até ao momento? — não foram 3,8% mas 34,3% os
alunos a dizerem que sim. A média na OCDE ronda os 12%.
Perguntemos, então, a um português residente em Helsínquia, com quatro
filhos no sistema de ensino, o que valoriza mais na Educação daquele
país: “A qualidade e o facto de se preocuparem com os alunos. Há um
endereço de e-mail para os pais e escolas comunicarem. Têm um psicólogo.
Se um miúdo precisar de um tratamento dentário é garantido”,
exemplifica André Capitão. “E também há a noção de que as crianças
precisam de tempo para brincarem e que não têm de começar logo a
aprender a ler e a escrever.” Na verdade, o 1º ano da escola começa na
Finlândia aos sete e o chamado pré-escolar aos seis.
Se os
recursos são invejáveis, os custos não o são menos. Todo o ensino, desde
o pré-escolar até ao universitário, é gratuito, incluindo as refeições.
Durante a escolaridade obrigatória (que é apenas de nove anos, apesar
de a maioria dos jovens continuar a estudar, e não de 12 como em
Portugal) os pais também não têm de pagar nem transportes nem os manuais
escolares.
Por esta altura, o leitor poderá pensar que a
Finlândia gastará rios de dinheiro para suportar um sistema destes. Mas o
que os números mostram (relativos a 2011) é que há países a gastar
bastante mais, como é o caso dos Estados Unidos ou da Suécia, e que têm
apresentado piores resultados nos testes internacionais. Fazendo a
comparação com Portugal, se um aluno da primária custa 8 mil dólares por
ano na Finlândia, por cá o Estado despende 5800, lê-se no último
relatório Education at a Glance (os valores estão já ajustados ao poder
de comprar em cada país para tornar a comparação mais realista). Mas no
caso do secundário, a diferença é bem menor (9800 dólares contra 8700).
Na verdade, os valores não se afastam das médias da OCDE e da União
Europeia, o que levanta a questão da eficácia com que o dinheiro é
usado.
Professor: uma carreira concorrida e prestigiada Saiamos
da escola primária de Kotinummi, nos arredores de Helsínquia, e entremos
numa outra sala de aula, na secundária de Kallio, agora no centro da
capital. Não há toque de entrada e à hora marcada para o início da aula
já se veem os alunos a trabalhar em grupos, todos virados para os
computadores onde fazem os seus trabalhos. O ambiente é o mais informal
que se possa imaginar. Há bonés na cabeça, telemóveis na mão e Niina
Vänttä, a professora de Ciências Sociais que se apresenta sem manuais
nem livros de ponto, mas apenas com um portátil debaixo de braço e que
todos os estudantes tratam pelo nome próprio — o que se repete, aliás,
de escola para escola.
Falta de consideração? Muito longe
disso. Os alunos são os primeiros a reconhecer: “Os professores aqui são
vistos como superautoridades, que todos respeitam. Se dizem para nos
calarmos, nós calamo-nos. Claro que há uns melhores do que outros, mas
todos estão muito bem preparados e ajudam-nos”, descreve Anna Tavaila,
19 anos.
À qualidade dos professores, Anna e as colegas de
grupo somam outras razões que levaram o país a distinguir-se na
Educação. “O ensino secundário não é obrigatório e todos estamos aqui
porque queremos aprender. Os nossos pais e os nossos professores sempre
nos disseram como a Educação é importante. Somos um país pequeno, mas
que conseguiu resultados. Que tem orgulho na sua Educação e que quer
mostrar isso ao mundo.”
No seu caso particular e de todos os
finalistas do secundário há uma motivação adicional. Pela primeira vez
vão fazer exames nacionais. Para concluir o 12º ano e que também serão
tidos em conta na admissão ao ensino superior.
Se quiserem
estudar para ser professores, por exemplo, sabem, que a competição é
feroz. Ao contrário do que acontece por essa Europa fora, ser-se
professor na Finlândia é altamente popular entre os jovens: o número de
candidatos aos cursos de formação de professores tem aumentado nos
últimos anos e apenas 10% dos que querem dar aulas no ensino básico
conseguem entrar numa das oito universidades que têm estes cursos. Se em
Portugal é difícil ser-se médico, na Finlândia, é difícil ser-se
professor.
“É uma carreira prestigiada. Temos boas condições,
bastantes férias e temos muita autonomia no nosso trabalho. Fazemos o
nosso planeamento e definimos os nossos métodos de ensino”, explica
Niina Vänttä.
Fique ainda a saber que um professor generalista
do ensino básico (do 1º ao 6º ano há normalmente um docente e entre o
7º e o 9º é que estão divididos por disciplinas), ganhava em 2013 quase
quatro mil euros. Um colega do secundário (10º ao 12º) recebia um pouco
mais do que esse valor. Antes de pensar que gostaria de ser professor na
Finlândia, não se esqueça de fazer contas ao custo de vida. Helsínquia,
por exemplo, é uma das cidades mais caras do mundo. Olhando para as
remunerações médias dos profissionais habilitados com um mestrado
(formação mínima obrigatória para se dar aulas) no país, os professores
finlandeses recebem abaixo. Comparando com os colegas europeus pode
dizer-se que é uma profissão razoavelmente remunerada.
Quanto à
colocação de professores, pense na forma como funciona em Portugal, com
um concurso nacional que envolve dezenas de milhares de candidatos,
colocados centralmente pelo Ministério da Educação através de uma lista
única e concursos de escola intrincados capazes de paralisar um arranque
normal de ano letivo. E agora pense num sistema bem mais simples, em
que os diretores das escolas anunciam as vagas que têm e escolhem os
docentes que querem. É assim na Finlândia. “Um diretor pode querer um
professor muito bom em novas tecnologias ou alguém que domine uma nova
pedagogia. Eles é que sabem o que precisam”, justifica Niina Vänttä.
A escola do século XXI A aula continua a decorrer, mas
não é Niina quem dá as ordens, apresenta a matéria ou perde tempo a
mandar calar os alunos. Tal como nas outras secundárias da capital, o
último período de aulas foi dedicado aos trabalhos em grupo. Em conjunto
com o colega de Matemática, a professora de Ciências Sociais definiu um
conjunto de exercícios que os estudantes teriam de realizar ao longo de
sete semanas. “A ideia é não ser o professor a ensinar tudo. Dividi-os
em grupos de cinco e são eles que têm de procurar as respostas. Uma vez
por semana reunimo-nos e temos uma aula tradicional.”
Os alunos
dizem que gostam, que é “mais fácil compreender assim a matéria, do que
só de ouvido”, que são treinados a ser “mais independentes”, a ir “à
procura de respostas”, descrevem Kerttu, Tanja, Anna, do grupo de
raparigas que já concluiu todas as tarefas. Apontando para os monitores,
explicam como foram respondendo a perguntas sobre a evolução dos
salários e escrevendo textos a propósito da inflação, colocando-os
depois no Google Drive, de forma a que professora e alunos conseguissem
visualizar sempre os documentos e as correcções.
É assim que
estão à beira de completar mais duas das 75 cadeiras que têm de fazer no
secundário, ao ritmo que entenderem (o ensino está desenhado para três
anos, mas há quem se adiante e faça em pouco mais de dois e os que
precisem de quatro). Mais de metade dos módulos são obrigatórios, mas os
restantes são eles que escolhem. “Podemos decidir o que queremos
estudar e isso é muito bom”, aponta Olli-Pekka, 18 anos.
No
próximo ano, já com o novo currículo nacional em vigor, a integração irá
mais longe, com os professores de Ciências Sociais, Inglês, Música e
Artes a juntarem-se para dar parte das suas cadeiras, de forma
integrada, através do módulo Café Musical. Cada grupo terá de criar uma
ideia de negócio em torno de um café, pô-lo a funcionar, preocupando-se
com todos os detalhes, desde a decoração à programação cultural. As
receitas reverterão para os alunos.
“A sociedade mudou muito e
os estudantes precisam de competências diferentes para quando forem
trabalhar. No mundo real não existe a Matemática, a Biologia, a
Química... Não existem disciplinas escolares, mas fenómenos complexos,
aos quais não podemos dar resposta como se se fossem perguntas de
escolha múltipla. Durante anos, essa foi uma boa forma de ensinar. Agora
precisamos de algo diferente, de forma a garantir que estamos a formar
estudantes com essas novas competências”, argumenta Pasi Silander,
satisfeito com as experiências que têm sido feitas nas escolas de
Helsínquia. “Ao princípio todos diziam: nem pensar que os professores do
secundário vão conseguir articular-se e trabalhar juntos. Agora estão a
fazê-lo.”
Na primária de Siltamäki, com 240 alunos e 17
professores, é visível o espírito de colaboração entre todos e o orgulho
de trabalhar numa escola que está muito à frente na forma como utiliza
as novas tecnologias ao serviço da educação. Por todo o lado veem-se
computadores, tablets e quadros inteligentes, há uma sala stresse free,
onde a música que sai dos altifalantes faz lembrar o som ambiente de um
spa. E que contrasta com outra ali perto, onde miúdos do 3º ano
manuseiam freneticamente o rato para movimentar e colocar blocos na
versão educativa do Minecraft, um sucesso de vendas no mundo dos jogos
para PC.
Parece um intervalo, mas é na verdade mais um tempo
de estudo no horário normal. “Sim, também dou aulas tradicionais”,
esclarece Tomi Tolonem, cabelo rapado, barba comprida e ar de motard ou
vocalista de banda de heavy metal. Adepto da nova tendência conhecida
como ‘gamificação’ (o termo deriva da palavra inglesa game — jogo)
aplicada à Educação, Tomi acredita que é possível criar novos contextos
para o ensino, muitos apelativos para os alunos, mas também com
utilidade e resultados concretos.
A ideia é mudar a forma como
se ensina, recorrendo à estrutura narrativa e aos mecanismos inerentes
aos jogos: as aulas são transformadas em missões, os exercícios em
desafios. “Primeiro contei-lhes a história da ilha em que estão presos.
Depois vou lançando os desafios e para os superarem têm de trabalhar em
conjunto, erguerem abrigos, por exemplo”, explica Tomi. A última ordem
foi para construírem o maior número de formas geométricas que
conhecessem, recorrendo aos blocos do Minecraft. A hora é de aprender
Geometria.
Com tanta experimentação e margem de manobra das
autoridades locais e escolas (a educação está completamente
municipalizada), sem exames e sem inspeções às escolas, surge a dúvida:
quem controla a qualidade do sistema e que os alunos estão de facto a
aprender? “Confiamos nos nossos professores, porque sabemos que estão
altamente preparados. Não acreditamos que temos de fazer como os Estados
Unidos em que estão sempre a medir os resultados”, responde Pasi.
De resto, e apesar de todas as adaptações locais sobre a forma de lá
chegar, há uma espécie de ‘bíblia’ onde está escrito tudo aquilo que os
alunos têm de saber no final dos diferentes níveis do ensino e que são
os currículos nacionais do básico e do secundário, sublinha o
responsável do ECampus de Helsínquia. E os professores têm de o seguir à
risca.
Neste momento, os leitores mais familiarizados com a
gíria educativa estarão a pensar que, afinal, na Finlândia também
existem as metas curriculares, aprovadas pelo atual ministro da
Educação, Nuno Crato, e que tanta polémica estão a gerar, por serem,
aparentemente, demasiado prescritivas e pormenorizadas.
Só que
um olhar mais atento para os documentos revela as especificidades de
cada sistema. Não sabemos se a capacidade de síntese dos finlandeses é
uma das suas qualidades ou se o excesso de palavreado é um dos nossos
defeitos. Os factos são estes: enquanto na Finlândia se conseguiu
escrever em 10 páginas tudo o que os alunos precisam de saber fazer a
Matemática do 1º ao 9º ano, por cá foi preciso um documento com mais de
80, a que se juntam 30 do programa. A proporção repete-se nas outras
disciplinas.
Uma nova Nokia? Durante anos, a Nokia e a Educação foram
os dois grandes motivos de orgulho nacional deste pequeno país. O
declínio da primeira, entretanto parcialmente comprada pelo Microsoft,
abandonando a produção de telemóveis, depois de ter sido durante anos nº
1 mundial, foi mais do que uma profunda machada na economia da
Finlândia.
Abalada a confiança, restou a Educação, com o país a
ocupar desde 2000 os primeiros lugares nos testes PISA, realizados por
meio milhão de alunos de 15 anos, de 64 países/regiões da OCDE e
parceiros que testam a sua literacia a Matemática, Ciências e Leitura.
Acontece que em 2014 soou o alarme. Os resultados dos testes feitos dois
anos antes mostravam ao mundo que a Finlândia tinha sido ultrapassada
no topo do ranking por vários países asiáticos e mesmo alguns europeus,
particularmente na competência Matemática.
Jouni Välijärvi,
diretor do Instituto Nacional para a Investigação na Educação, admite a decepção: “Sim, é preocupante. O declínio começou em 2009 e continuou em
2012. Ainda assim continuamos com bons resultados e estamos no top da
Europa. Penso que uma das razões tem a ver com uma diminuição do empenho
dos alunos, particularmente em relação à leitura. As escolas competem
cada vez mais com a internet e outros serviços digitais de cada vez
maior qualidade e diversidade. Isto também ajuda a explicar por que
razão os rapazes estão cada vez mais atrás das raparigas, incluindo a
Matemática.”
Nem tudo são diferenças entre Portugal e
Finlândia e, tal como cá, a crise parece falar mais alto. Não há
finlandês que não esteja preocupado com os cortes que se avizinham no
próximo Orçamento do Estado, ainda mais quando a Economia teima em não
arrancar. E a Educação ressente-se. Também lá como cá fecham-se escolas e
cortam-se meios. “As escolas e os professores têm cada vez menos
recursos para o desenvolvimento pedagógico a nível local. O investimento
na formação profissional está a diminuir. Isto é uma ameaça para o
desenvolvimento e inovação num sistema educativo de qualidade”, alerta
Jouni Välijärvi.
CONTRASTES
Horas de aulas
A Finlândia é um
dos países onde os alunos têm menos horas de aulas ao longo da
escolaridade obrigatória.
São em média 703 por ano, enquanto em
Portugal esse valor é de 827.
Habilitações É
no campo das qualificações que existe um dos maiores contrastes entre os
dois países. 85% da população adulta finlandesa (18-64) têm pelo menos o
ensino secundário, contra 38% em Portugal. Entre os diplomados na
população adulta, a diferença
é de 40% para 19%
Felicidade Poucos
países batem os níveis de bem-estar manifestados pelos alunos
portugueses de 15 anos. 86,4% disseram concordar com a afirmação
“sinto-me feliz na minha escola”, contra 66,9% dos finlandeses.
SaláriosAs
diferenças começam por ser muito grandes em início de carreira, com um
professor do 3º ciclo do básico a ganhar por ano cerca de 29 mil dólares
cá e perto de 35 mil lá (valores já convertidos para garantir a
paridade do poder de compra). Ao fim de 15 anos continua a ganhar menos.
Mas no topo da carreira,
a situação inverte-se.
Temperatura A
temperatura média em fevereiro, normalmente o mês mais frio do ano, em
Helsínquia é de - 5,7˚ centígrados. Em Lisboa, é de 12,7˚ centígrados.
CustosEm
Helsínquia, um café
custa 3 euros, tanto quanto um bilhete de metro ou
autocarro. Jantar num restaurante
dificilmente ficará a menos
de 20
euros se beber vinho
ou mesmo cerveja ultrapassará os 30 euros. Despesa
que fazem com que o custo
de vida na capital finlandesa seja 58% mais
caro do que
na capital portuguesa.
Fonte: expresso.pt
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